1. As orientações temáticas e metodológicas da Rede resultam da experiência acumulada durante as operações de cooperação realizadas em conjunto.
Desde o seu início, como foi assinalado antes, é claro que a vocação da Rede é analisar e contribuir para a compreensão dos problemas sociais e participar na construção dos instrumentos de intervenção destinados a combatê-los. Esta vocação consolidou-se ao longo da cooperação, ao mesmo tempo que se confirmaram e desenvolveram as principais orientações metodológicas que a animam, nomeadamente: orientação transnacional (através da prática da metodologia de análise comparativa internacional); orientação interdisciplinar (particularmente a Sociologia, a Economia, a História, a Antropologia, a Geografia, o Serviço Social, a Literatura, as Ciências Médicas); orientação intersectorial e multinível (em diferentes setores e níveis de ação) e a orientação multidimensional dos problemas estudados. Estas orientações, ao invés de excluir abordagens disciplinares e empiricamente focadas, exigem-nas, como componentes essenciais na base da apreensão, compreensão e tratamento de problemas complexos.
2. Estas orientações permitem que as atividades da REDE sejam uma oportunidade para cruzar conhecimentos e de experiências a partir dos investimentos temáticos dos seus Membros, na perspetiva de uma melhor compreensão da questão central das desigualdades sociais. A apresentação que faremos mais tarde destas atividades mostra bem as múltiplas oportunidades de diálogos temáticos realizados ao longo do tempo. Diferentes campos de pesquisa foram, com efeito, mobilizados, nomeadamente: 1) modos de produção, de distribuição e de financiamento de bens e de serviços, considerando, particularmente as suas repercussões sobre emprego e o trabalho e as relações laborais (relações de exploração, desigualdades ao nível do trabalho, situações de desemprego, subemprego ou trabalho informal ou atividades da economia social e solidária); 2) a produção das Políticas públicas, entre os seus níveis de conceção e de concretização, considerando os seus interfaces com a Ação Pública e a Ação coletiva; 3) as relações de solidariedade social (iniciativas de entreajuda, produção ou trocas solidárias, populações assistidas, populações vítimas de crises económicas, ambientais, sanitárias… 4) relações ao espaço e definição e construção de territórios como marcadores identitários (modos de apropriação do espaço, ambiente e sustentabilidade); 5) educação, modos de transmissão e comunicação e modelos de socialização (reprodução e estatutos sociais); 6) Reconhecimento e produção de identidades e pertenças sociais; 7) Responsabilidade, Direitos Humanos e cidadania; 8) processos migratórios e estudo de populações provenientes da imigração; 9) relações sociais e desigualdades de gênero; 10) relações de discriminação com base em características individuais (idade, local de origem ou residência ou estilos de vida); 11) possibilidades, modalidades e modos de expressão das subjetividades sociais; 12) relações ao consumo, estilos e modos de vida, mercados de bens materiais e imateriais, bem-estar e saúde (utilidade e esbanjamento, excesso e comportamentos aditivos); 13) a pesquisa e a ciência para quem e para quê? (os tempos e os parceiros do empreendimento científico, verdade e pós-verdade).
3. Na vertente de análise mais diretamente focada na intervenção, as questões relativas às políticas públicas e à responsabilidade do Estado no tratamento dos problemas públicos levaram-nos a alargar a observação considerando dois planos: 1) de um lado, sobre a problemática da Ação Pública, que nos permite abrir os horizontes da observação aos diversos parceiros que se associam ao Estado para enfrentar os problemas sociais, em particular, as instituições peri-públicas e as organizações da sociedade civil organizadas ou as organizações de economia social e solidária e, 2) por outro lado, aos movimentos sociais e, mais geralmente, à Ação coletiva, na medida em que ela participa da construção dos referenciais da ação e das agendas políticas.
Paralelamente à observação do Estado, que só pode ser considerado homogêneo quando se limita a leitura dos seus resultados ao plano legislativo e ao médio e longo prazo, interessa-nos igualmente analisar o papel desempenhado na concretização das políticas públicas pelas suas múltiplas engrenagens, particularmente a ação dos agentes que, em diferentes níveis, são responsáveis pela construção de uma ação do Estado que, percebida a partir destes lugares, está longe de aparecer como sendo homogénea.
Os desafios que se colocam à pesquisa diversificaram-se, assim, progressivamente, para nos permitir compreender as múltiplas questões, níveis, modos de territorialização, conjunturas sócio históricas … e, portanto, os diferentes sentidos da ação pública. Sublinhamos, em particular, as análises que incidem sobre as instâncias, os níveis, as metodologias ou os sentidos das intervenções que exercem efeitos sobre: 1) os processos e os mecanismos de produção das desigualdades e as suas consequências sob a forma de novas formas de pobreza ou de exclusão social; 2) as transformações do meio ambiente e as modalidades de transição energética e social e a importância que nelas assumem as práticas alternativas e as lutas pela defesa de estilos de vida e de consumo sustentáveis; 3) a implementação de novos modelos de solidariedade que apostam em novas formas alternativas de produção, financiamento, troca e distribuição, em particular em torno das economias populares e da economia social e solidária; 4) a transição civilizacional que se inicia, depois de todos os pós-passados, tão anunciados, e que nos obrigam a renovar o nosso questionamento sobre, por exemplo, a) uma nova relação com a natureza (ou tratar-se-ia, antes, de construir um novo “estado de natureza”?); b) novas formas de propriedade comum entre propriedade privada e pública; c) uma nova ordem na construção das relações sociais numa conjuntura onde se jogam novos modos de relações entre a individualidade e a globalidade através, designadamente, de uma “sociedade digital” e de um novo tipo de relação à comunicação; d) o advento de novas modalidades de relações de dominação / subordinação …
De qualquer forma, estas mudanças obrigam-nos a repensar os modelos que nos permitem conjugar os constrangimentos impostos pelos enquadramentos da vida coletiva e novas formas de construção e manifestação de subjetividades individuais e de grupo através da arte, designadamente da literatura e da música mas igualmente da língua, por exemplo; a construção de identidades a partir de memórias comunitárias, relações de vizinhança ou outros critérios de construção de proximidade … Como será possível conciliar essas diferentes formas de construção evitando as derivas (bolhas) que elas permitem, tornando-as compatíveis com a necessidade de manutenção de modalidades de um viver-juntos?
4. Fazer convergir todas essas questões em torno da questão das desigualdades é uma forma de colocar um ecrã entre nós e a realidade. No entanto, a nossa preocupação é fazer com que este ecrã funcione ao jeito de um microscópio, permitindo-nos ver mais claramente o que se esconde, ou então de um telescópio, permitindo-nos aproximar realidades que, à primeira vista, parecem distantes.